quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A História do Nosso Amiguinho Francisco


BARREIRINHAS - MA

Barreirinhas é uma cidade de pouco mais de 50 mil habitantes, situada no interior do Maranhão. Apesar de considerada a porta de entrada dos Lençóis Maranhenses, uma das mais belas regiões turísticas do Brasil, é na verdade uma cidade simples, localizada em um dos estados mais pobres da Federação.

A alguns quilômetros de Barreirinhas, na zona rural, vive um jovem de 12 anos chamado Francisco. O mais velho entre sete irmãos, o menino parece levar uma vida igual à de tantos outros de sua idade. Estuda na 4ª série do ensino fundamental de uma escola pública local e trabalha na lavoura, ajudando seu pai. Quando sobra algum tempo, gosta de brincar com os irmãos e de acompanhar notícias do seu time do coração.

Mas Francisco não é uma criança comum. Ele nasceu com fissura labial e palatina. Filho de pais sem qualquer instrução e sem acesso a orientação médica, Francisco hoje não fala e não sabe ler ou escrever. Além disso, sua aparência física o afasta de qualquer forma de convívio social. Para se proteger dos olhares de espanto e reprovação das pessoas, incluindo o de seus colegas na escola, Francisco desenvolveu o hábito de olhar constantemente para o chão, mesmo quando está caminhando. Em suma, Francisco não conhece autoestima e pretende apenas uma coisa: ser invisível.

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A notícia sobre a campanha cirúrgica da OS em Fortaleza viajou mais de 650km até chegar ao Maranhão, à casa de uma tia de Francisco de nome sugestivo: Jesus. Informada por uma amiga do Ceará sobre a campanha da OS, Jesus procurou seu irmão e cunhada para uma conversa. Queria estimulá-los a levar o menino até Fortaleza, mas o casal alegou impossibilidade de abandonar o trabalho e as outras seis crianças por um período tão longo. Sem muita reflexão, Jesus decidiu que só restava uma alternativa: ela mesma levaria Francisco.

Foram ao todo nove horas de viagem, cruzando parte do Maranhão e o Piauí, até chegar ao destino final. Além do desconforto das viagens de ônibus por estradas mal cuidadas, do calor equatorial e da falta de dinheiro para amenizar a epopeia, há que se considerar também a insegurança que toma conta dos viajantes de primeira viagem. Tudo isso, somado às expressões de assombro sempre que o olhar de um estranho cruzava com o do menino Francisco, só servia para reafirmar a convicção de Jesus, uma mulher de mais ou menos 50 anos, traços bonitos, modos contidos e personalidade forte. A convicção de que aquela era uma viagem que precisava ser feita.

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Já em Fortaleza, Francisco e sua tia se apresentaram ao Hospital Albert Sabin na data e horário marcados para o início da triagem. Em meio a inúmeros bebês e crianças de até dez anos de idade, Francisco não sabe, mas suas chances de conseguir vaga para uma cirurgia são pequenas. Talvez esse próprio desconhecimento os tenha servido como aliado, ajudando a produzir uma história de amor e perseverança ainda mais comovente do que as tantas outras que se revelavam naturalmente naquele ambiente. Francisco foi um dos 92 selecionados. De longe, o mais velho entre todos.

Sexta-feira, 19 de setembro de 2014. No Bloco B do hospital Albert Sabin, Francisco está apoiado contra uma parede, ao lado de sua tia, olhando fixamente para o chão. Chego perto e tento puxar conversa. Cada pergunta recebe respostas lacônicas, através do balançar da cabeça. Sim e não, não e sim; e o rosto de Francisco permanece voltado para o chão. Até que decido perguntar-lhe se gosta de futebol. De repente, pela primeira vez, Francisco ergue a cabeça e nossos olhares se cruzam. Percebo que os olhos de Francisco brilham com intensidade. Sua tia me ajuda a entender que ele gosta muito de futebol e que torce para o Palmeiras. Diz também que Francisco é um ótimo menino, muito trabalhador e que sempre ajuda o pai na lavoura. Logo me dou conta de que ambas atividades lhe são, antes de tudo, convenientes. Seja no manuseio da enxada ou correndo e driblando com a bola nos pés, Francisco pode manter a cabeça baixa, com o rosto sempre direcionado para o chão.

Por alguns momentos Francisco se esquece de esconder o rosto e conversamos, mesmo que apenas com os olhos. Os de Francisco impressionam. Não há neles sinal de raiva ou revolta. São olhos de um menino puro, que se recusa a absorver como suas as agressões gratuitas e o descaso com que tem sido tratado pela vida. Por alguns momentos eu também volto a ter 12 anos só para conversar animado com meu novo amigo sobre futebol.

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Sábado, 20 de setembro de 2014. Francisco só será operado à tarde. A espera é difícil e notam-se nele sinais claros de cansaço e medo. Diferentemente da maioria dos outros pacientes pequeninos, ele sabe porque está ali.

Por volta das 14:30, Francisco só aguarda o chamado da sala de cirurgia. Em poucos minutos, ele entra acompanhado de três enfermeiras. Vem com andar trêmulo e um tanto constrangido por não conseguir disfarçar o medo. As enfermeiras conversam com ele, que esboça um choro, mas para por aí. Francisco parece não saber chorar.

Em poucos minutos começa o trabalho cirúrgico que, segundo o médico responsável, será o mais desafiador de todos os 84 daquela missão. Serão necessárias duas horas de trabalho até a reconstrução do lábio superior e do nariz de Francisco. Ao todo, seis profissionais participam do processo, incluindo dois cirurgiões, um anestesista, uma dentista e duas enfermeiras.

Terminada a operação, Francisco é transferido para uma sala de recuperação onde novas enfermeiras e uma pediatra o aguardam. Pouco tempo depois ele começa a recobrar a consciência e está sentado, bebendo os primeiros goles d’água com sua nova boca. Mais alguns minutos e quem chega é Tia Jesus. Bastou que olhasse uma só vez para Francisco para que seus olhos fossem tomados pela emoção.

Na sequência, alguém traz um espelho e se aproxima de Francisco, fixando-o em frente ao seu rosto. Um momento mágico; indescritível. O olhar do menino busca reconhecer sua nova face. Alguém lhe explica que o local ainda está inchado e que seu rosto ficará ainda mais bonito passados alguns dias. Mas Francisco nada ouve. Prefere canalizar toda atenção no trabalho de reconhecer-se na imagem refletida. Pela primeira vez na vida, não quer olhar para o chão. Na sala, agora, não é mais um privilégio de Tia Jesus ter os olhos marejados. Algum tempo depois, Francisco é transferido para a enfermaria do hospital, onde passa a noite.

No dia seguinte, antes de partir ele ganha outro presente: uma bola de futebol. Pela segunda vez, Francisco perde o fôlego. Uma bola, nova e linda, como o rosto que acaba de ganhar!

Me despeço rapidamente dele. E eu, que tanto gosto das palavras, não encontrei nenhuma que me atendesse naquele instante. E o que queria ter dito a Francisco? Que torço para que ele consiga voltar no próximo ano, para uma nova cirurgia, dessa vez para o fechamento da sua fenda palatina. E que espero também que ele consiga, aos poucos, aprender os fonemas, para depois aprender a ler e a escrever. Por fim, que desejo que ele possa crescer cercado de amigos e que um dia constitua família, sem nunca deixar de ser o menino bom, trabalhador e cordato que conheci.



E mesmo que a história não venha a ser exatamente essa, já terá valido a pena imaginar que, ao retornar para a casa, Francisco saberá manter a cabeça erguida. Com o tempo, gostaria de pensar que ele repetirá o exemplo de Miguilim, e que, olhando a paisagem dos Lençóis “com força”, saberá também perceber o quanto aquele seu lugar é mesmo “bonito de se ver!”

Escrito por Levindo Santos

Setembro de 2014

Fonte: Site Operação Sorriso

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Meu nome é Raul, tenho 35 anos e nasci com lábio leporino...


Meu nome é Raul, tenho 35 anos e nasci com lábio leporino bilateral com fenda palatina. O que isso significa? Que as fissuras ficavam em duas partes do lábio superior e sem o céu da boca. Na década de 80, época do meu nascimento, pouco se conhecia sobre o problema. Mitos e lendas eram atribuídos às causas, como o simples fato da mãe carregar uma chave no bolso durante a gravidez. Mas o que causava maior temor aos pais daquela época era o preconceito que eles, e principalmente, os filhos fissurados enfrentariam na sociedade.


PAIS e FAMÍLIA. Deus me colocou nos braços de dois seres abençoados, meu pai e minha mãe, que conseguiram manter a calma e fazer de um possível “problema”, uma luta diária pela minha saúde e principalmente pela minha autoestima e evolução como ser humano. Além deles, tenho 03 irmãs, grandes parceiras no tratamento e convivência familiar.



O médico que realizou meu parto indicou aos meus pais um lugar iluminado, o HRAC - Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, carinhosamente chamado de Centrinho, localizado na cidade de Bauru/SP. Comecei a frequentar o centrinho aos 04 meses de idade. Lá, as crianças recebem todo o apoio e recursos necessários, mas mesmo assim as viagens são custosas e cansativas, pois no início precisei ir à Bauru até 4 vezes no ano, em virtude da complexidade do tratamento, sendo ao longo da minha vida, realizadas mais de 12 cirurgias reparadoras, momentos estes, de cuidado redobrado de meus pais e familiares, já que o sucesso da cirurgia estava diretamente relacionado ao pós-operatório.



Apesar do tratamento complexo, uma preocupação latente gira em torno da inclusão social. Na escola, meus pais sempre fizeram questão que eu participasse de todas as atividades. Dancei em festa de São João, participei de jogos olímpicos, concurso de dança, teatro, atividades estas, essenciais para que a fase escolar fosse encarada com tranquilidade.



AMIZADES. Fiz as melhores, duradouras e sinceras. Confesso que não lembro como fazia para explicar sem rodeios aos colegas o motivo da minha “boca torta”. O grande segredo é lidar e agir normalmente - resultado claro de uma base familiar que tratou meu caso com naturalidade. Os poucos colegas que faziam piadas, eram anulados quando eu sorria e mostrava que nada me tornava diferente deles.

Chega, então, a época dos relacionamentos amorosos. A autoestima é determinante para que o fissurado mostre que sua beleza se sobrepõe àquela imposta pela sociedade. E realmente, não há estética que resista aos hormônios. Naturalmente, o jovem consegue relacionar-se, cabendo aos pais orientar os filhos sobre valorização e respeito ao próximo. Da mesma forma encarei o mercado de trabalho, pois o lábio leporino não invalida ninguém, estando todos aptos ao trabalho, esporte e lazer, desde que estejam dispostos a priorizar suas metas e objetivos pessoais.




FAMÍLIA. Sim, formei a minha. Sou casado com uma linda esposa há 08 anos e sou pai de uma princesa de 05. Como as causas das fissuras ainda são pouco conhecidas, existia a possibilidade da Maria Luísa, ou ainda dos nossos próximos filhos, nascerem fissurados, mas ela nasceu sem o lábio leporino e, sinceramente, apesar de um inevitável medo, é muito claro que o lábio leporino é apenas uma gota no oceano de tantas doenças que limitam ou até invalidam o ser humano.





Hoje sou farmacêutico pós-graduado, citologista, funcionário público federal, corredor amador de meia-maratona e um ser humano aberto às mudanças e oportunidades que a vida tem para me oferecer, e não poderia ser de outra forma, uma vez que meus pais foram peças-chave na inclusão social, me ensinando que não há vergonha que vença o amor, desespero que vença a esperança e cansaço que vença a vontade de viver.


terça-feira, 3 de novembro de 2015

E assim se passou 1 ano ...

           


         Há 1 ano o dia 2 de novembro foi o dia de maior repouso de toda a vida! Não queria de jeito nenhum que o Miguelzinho nascesse dia de Finados. O parto já estava marcado pro dia seguinte,  e ao invés da euforia pré parto tudo que eu sentia era um pesar. Foi um dia em que eu escolhi ficar com a minha filha e o meu marido. O que poucos sabem é que eu tinha 100% de certeza que havia algo errado. Jamais pensei que fosse com o Miguel, de coração achava que eu não sobreviveria ao parto. Foi uma noite inteira em claro, vendo Roberto e Lulu dormirem abraçados (ou melhor em formato de coração), aquela pra mim era a última noite. E como seria dali pra frente? 





                      Miguel nasceu próximo das 6h da manhã. A história do parto, todos já sabem, não foi nada legal. Tenho poucas lembranças das primeiras horas, culpa, medo, decepção por ter gerado um filho "imperfeito". 
                      Acho q eu realmente morri naquele momento, ou sei lá, fiquei anestesiada. Uma avalanche de informações, todo mundo perguntando sobre nós e tudo que eu queria era voltar pra idade da pedra, onde os acontecimentos não chegavam tão rapidamente às pessoas. 



                    Não, eu não encarei naturalmente! Não foi fácil! Não foi rápido! Passei por todas aquelas fases do luto: Negação, foquei no trabalho e no quarto dia de pós operatório já estava trabalhando; Raiva,  por que eu não planejei?  Por que não tomei ácido fólico? Por que não fiz repouso?  Por que não fui uma grávida normal? Barganhei: tentei agir naturalmente, mostrar que estava tudo bem, que estávamos buscando tratamentos, enquanto na verdade o medo de descobrir qualquer outra coisa me fazia faltar as consultas e exames. Deprimi: me isolei, não consegui amamentar, chorei... 

                   Até que enfim aceitei...aceitei que Deus me mandou uma criança especial, e que deveria ser especialmente amada e respeitada...e que certamente teria uma missão muito especial. 


                      E assim eu renasci, hoje Miguelzinho faz 1 ano, e o que tenho a dizer desse ano...Não foi nada fácil! Nossa vida se tornou pública, com tudo o que uma novela tem direito. Recobramos a fé na humanidade, reacreditamos na generosidade das pessoas, nos tornamos mais humildes e mais altruístas.
Mobilizamos meio mundo pela "causa do Miguel" e conseguimos transformar a causa dele na causa de outros.

                    Miguel é uma criança saudável e feliz. E é exatamente isso que queremos pros nossos filhos certo?! 
                    Tem o sorriso mais lindo e cativante do mundo. Já fez duas cirurgias, e certamente fará outras tantas. 
                    Nossa vida continuará sendo acompanhada como uma telenovela. Com a diferença que a cada capítulo procuramos fazer a diferença também na vida do outro. 

                    Já disse e repito, Miguelzinho veio com uma missão de amor e fé, e a fé une as pessoas, e às encaminha a fazer o bem.
                     Agradecemos a Deus todos os dias, pelo filho perfeito que ele nos deu.
                     Feliz aniversário Miguel! Obrigada por ter nos escolhido como sua família nessa jornada. Mamãe, papai, maninha e todos os seus fãs te amam muito, e estarão junto com você em toda a sua caminhada. Parabéns!



sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Olhais as crianças e encontreis nelas a tua força e a tua fé!

Deus sempre dá o que a gente pode carregar! Passando a noite no Centrinho (sim passando a noite porque dormir é impossível) enfermaria lotada, 10 pacientes cada um com a sua história, um paizinho ao meu lado muito preocupado com o seu bebê de 8 meses. Comentei com ele "pai, eles são mais fortes do que a gente imagina" ele me olhou nos olhos, respirou fundo e disse "você tem toda razão! Meu filho nasceu sem ânus, fez a cirurgia ao nascer e ficou 2 meses e meio internado, nesse meio tempo o pulmão encharcou (fez edema de pulmão), depois estourou bolhas (pneumotórax), se alimentou por sonda e teve até parada cardíaca, e sobreviveu! O que é então essa cirurgia não é?!" É, antigamente os pais ensinavam aos filhos, avalie hoje em dia o quanto os filhos ensinam aos pais. Sempre digo que Deus dá filhos especiais para pais especiais, para nos tornarmos pessoas melhores e multiplicadoras desse amor incondicional. É claro que todo pai ama o seu filho, mas só um pai de bebê especial sabe o que é amar incondicionalmente e nesse amor buscar forças para atravessar as adversidades.

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Mais uma VITÓRIA!



O que dizer desse dia?

Se tivesse que definir em uma palavra seria Vitória!  Agora meu guerreirinho dorme. Mas o nosso dia começou às 4:30 da madrugada com a última dieta. A cirurgia estava marcada pras 10h, atrasou 1h e meia. 

Entregamos o Miguelzinho no centro cirúrgico as 11:30. Ele foi tranquilo como sempre. Dez minutos depois uma ligação do centro cirúrgico pedindo pra comparecer na recepção. Que susto! Nesse momento percebi o quanto esse hospital é grande. Grande o suficiente pra passar mil coisas na cabeça até a notícia de que foi um engano. A cirurgia do Miguel transcorria normalmente. 

A previsão era de 1h e meia de procedimento. Durou 3h. Ao encontrar meu filho na sala de Pós Operatório, ele obviamente estava muito assustado, sentido e não queria comer.

Miguel tem o seu próprio tempo! Sabemos disso desde a gravidez. Dormiu mais um pouco. Ficou de chamego. Acordou. Aí sim se "situou", brincou e resolveu comer.

Agora está aqui, dormindo como um anjinho, ou seria como um guerreiro após uma grande batalha?! Dorme o sono dos justos e se recupera para mais uma fase, aprender a usar a boca nova que ganhou de presente de aniversário antecipado.

O palato está completamente fechado, a cirurgia foi perfeita e tenho certeza que a recuperação será excelente. 
Miguelzinho é mais forte do que a gente pensa! E junto dele estamos todos nós, rezando pela sua saúde e torcendo pela sua felicidade. 

Aos anjos do Miguel nosso muito obrigado! Seremos eternamente gratos.